Ele iniciou sua fala traçando um paralelo entre os dois universos musico - culturais, o reggae e o hip-hop, já que ambos falam sobre questões comuns, seja a desigualdade sócio-racial, seja denunciando a violência e marginalização dentro das comunidades pobres e negras. Além é claro, das mensagens sobre esperança, redenção e transformação social.
Não obstante ao papel modificador, não pode ser desconsiderada a discriminação sofrida pelos músicos que fazem Reggae, sobretudo grupos oriundos dos guetos e comunidades, de acordo com as palavras do DJ.
Branco continuou discorrendo agora sobre a formação de grupos de música reggae nos bairros populares de Salvador e apontando como aqueles jovens tinham suas rotinas modificadas pelo comprometimento e responsabilidade que eles adquiriam. Ou ainda, como vários jovens de bandas de reggae nas comunidades pobres, conviviam com a realidade local (tráfico, violência, morte) e conseguiam retratar tais fatos em suas músicas, sem, contudo, deixar de acreditar na mudança daqueles cenários através de suas letras e sons.
DJ Branco ainda ressaltou a importância da figura do músico Bob Marley no imaginário popular, sobretudo dos jovens das comunidades (jovens negros e pobres, em sua maioria), que buscam por identidade estética, cultural, etc.
O efeito das palavras de Bob Marley na construção de sujeitos sociais foi exemplificado pelo orador, numa letra do músico jamaicano, extraída de um dos discursos de Sua Majestade Imperial Haile Selassie I da Etiópia, para as Nações Unidas em 1962: “Até que a filosofia que torna uma raça superior e outra inferior, seja finalmente, permanentemente desacreditada e abandonada, haverá guerra...”, essa é a frase da música War [1976].
Denunciando o pouco espaço destinado a tais grupos, ele reforça a idéia que o preconceito e racismo institucional ainda são deveras presente na sociedade soteropolitana, impedindo uma fuga em larga escala, de jovens que se vêem atraídos pelo crime, violência e marginalização.
Com essas palavras encerra a sua fala, o DJ Branco, agradecendo o convite e a participação no evento.
Em seguida, o Irmão Analtino Santos, o Ras Kilungi, membro da AMORA (Associação do Movimento Rastafari de Angola) e colaborador do NARA (Núcleo dos Amigos do Reggae de Angola) tomou a palavra para discorrer sobre a música Reggae e o Movimento Rastafari em seu país.
Falando das experiências musicais e culturais que acontecem em África, frutos da influência do Reggae Rastafari jamaicano, o Ras Kilungi menciona a identificação que o povo angolano tem com tais aspectos, sobretudo com os pilares sustentados pelos Rastas (Pan-Africanismo, Repatriação, Libertação).
Ainda sobre o movimento Rastafari, ele também mencionou o terreno fértil que essa cultura encontra em países de África, como no caso de Angola, seja através da música ou mesmo com as mensagens ideológicas da sua cultura. Mas mesmo com toda essa identificação, ele não deixou de ressaltar a perseguição e discriminação sofrida pelos Rastas angolanos, herança também do período de guerra-cívil naquele país, onde o governo não via com bons olhos aqueles homens e mulheres que falavam de paz, liberdade e denunciavam problemas sociais.
Foi assim, segundo ele, que o Reggae adentrou no cotidiano de Angola, simultaneamente funcionando como veículo transformador de vidas e sendo perseguido, por outro lado, por órgãos do governo.
Ao ser questionado sobre o tipo de Reggae que é tocado e ouvido em seu país, Analtino confirma que existe certo tipo de desinformação em alguns canais de difusão musical (como, aliás, acontece em terras brasileiras também), e que acabam influenciando a preferência popular. Como por exemplo, associar todo tipo de música afro-brasileira, que chega a Angola, como música Reggae e etc.
No entanto, o papel da AMORA segundo ele, é desconstruir essas confusões que são costumeiras, apresentando o Reggae de essência Rastafari, com músicos sejam Jamaicanos ou de outras partes do mundo, mas que tragam em seu bojo a verdadeira mensagem do Reggae de raiz. E é essa transformação que é retratada pelo “Ras Kilungi” em sua fala, anunciando as boas novas construídas pelos militantes angolanos, como o programa de rádio “Raízes Reggae”. E assim, ele encerrou agradecendo o convite e destacando a importância da conexão Brasil-Angola no aprofundamento da vivência Rastafari. Além é claro, de se colocar a disposição das perguntas posteriores, onde ele via uma forma de ser o mais objetivo possível e construir as suas respostas.
Então teve vez a Sista Dina Lopes, membro-fundador da Associação Cultural Nova Flor e militante do movimento Rastafari, para falar da “Presença feminina na música Reggae”.
Ela começa abordando a realização do evento, num momento em que se questiona a ligação da música Reggae com o movimento Rastafari, para que se tenha a possibilidade de discutir tal aspecto de forma madura e séria.
Citando a autobiografia de Rita Marley, intitulada “My Life with Bob Marley” (Minha vida com Bob Marley), onde a cantora jamaicana e membro das I-threes - grupo vocal feminino que acompanhou os Wailers durante quase toda a carreira - retrata sua vida pessoal ao lado do marido e pai dos seus filhos, além da sua participação no trabalho musical do lendário porta-voz do Reggae, nos idos da década de 1970.
Como mulher Rasta, segundo as páginas do supracitado livro, Rita Marley expõe a dificuldade que era conviver naquele cenário musical e, sobretudo, como coadjuvante da banda. No entanto, Dina Lopes também traz em sua fala, passagens que mostram uma Rita presente nas composições de Bob e uma Rita companheira, sempre ao lado dos filhos. Uma mulher que também teve sua oportunidade e despontou como grande cantora solo e ícone da música negra, na década de1980.
Ainda se tratando do livro, há também a menção sobre o papel das outras duas componentes das I-threes, Judy Mowatt e Márcia Griffths, que paralelamente as turnês com os Wailers, mantinham carreiras sólidas na cena musical caribenha.
Dina Lopes faz questão de adentrar a estrutura em que se dão as relações sociais no universo da música Reggae. Não há como escapar desta análise (ainda que seja neste cenário musical), já que ai também se reproduz o comportamento machista socialmente difundido e é isso que ela reafirma. Mesmo com fortes posicionamentos ideológicos e revolucionários, ainda existem no Reggae - como em outros espaços culturais - estruturas que relegam segundo plano a presença da mulher, basta checar as diversas versões de grupos de apoio (back vocals) femininos no ritmo. Posteriormente, esse paradigma será desafiado pela própria interlocutora, que irá dimensionar uma nova cena para a presença das mulheres no Reggae, sobretudo para o chamado Conscious Reggae (Reggae Consciência).
Já fazendo conexão com o movimento Rastafari, Dina menciona a importância da figura feminina para a cultura ancestral africana, como a ida da Rainha Makeda de Sabá ao encontro do Rei Salomão de Israel, que é basicamente a pedra angular do movimento, pois é daí que se estabelece a dinastia salomônica na Etiópia, relatada pelo livro sagrado Kebra Negast. Ou ainda, a coroação da Imperatriz Preta, Woyzero Menen da Etiópia, em 2 novembro de 1930 ao lado de Ras Tafari Makonnen, que recebeu o título de Haile Selassie I (Poder da Sagrada Trindade).
Sendo o Reggae uma música universal, que ganhou proporções gigantescas, especialmente nos anos 70, seria no mínimo insensato deixar de destacar a importância da mulher na sua construção e difusão. Sista Dina então aborda mais uma vez a cultura Rastafari para demonstrar o destaque das “Rainhas e Imperatrizes”, formas como as mulheres neste universo são tratadas, referência a história da origem real dos etíopes e africanos.
Sista Dina Lopes e a força "Omega"
Trazendo seu posicionamento para o cenário brasileiro, Dina menciona o fato de existirem mulheres vanguardistas na música Reggae por aqui. E o mais importante, mulheres trabalhando e vivendo a verdadeira intenção deste tipo de música: Conscientização e Espiritualidade. Nesse quadro, ela cita a irmã Dakal no Rio de Janeiro, mulher Rastafari e também uma das pioneiras do reggae feminino brasileiro.
Por fim, foram citadas algumas das inúmeras vozes femininas na cena Reggae: As I-threes (Márcia, Judy e Rita), Altea and Donna, Malika Madremana, Dezarie, Queen Omega, Empress Cherisse, Queen Ifrica, Queen Makeda, Sista Carol, Moly Rose, Sista DanzI, mulheres que entoam o canto de resistência africano e cantam, em sua esmagadora maioria, as canções que mesclam passagens das escrituras com palavras de exortação do povo preto.
O importante é, sem dúvida, modificar a estrutura que ainda se mantém, embora alguns avanços possam ser vistos. Modificar a estrutura dentro da música e também dentro do movimento Rastafari, para que não se reproduza o comportamento que tanto é combatido fora dele.
Exemplos podem ser confirmados nas diversas organizações femininas em redutos Rastas, como a Liga das Imperatrizes na Casa Boboshanti. A também bastante atuante organização Omega Nyabinghi, onde mulheres em busca da vivência Rastafari, promovem debates e estudos entre si, com foco na figura feminina.
Dentro do Reggae, essa estrutura também está sendo modificada. Exemplos existem aos montes, como os que foram citados anteriormente.
Por fim, ela menciona o exemplo que deu também Sua Majestade, Haile Selassie I, ao levar e coroar consigo, sua companheira e Rainha, a Imperatriz Menen. Em suma, ao agradecer aos presentes, ela encerra reforçando o equilíbrio entre as energias Alpha e Ômega, outra simbologia dentro do universo Rastafari.
Quem se encarregou de encerrar o momento das falas, foi o Ras Sidney Rocha, músico, Teólogo e atual presidente da Associação Cultural Nova Flor. Militante do movimento Rastafari há quase 30 anos, o assunto que abordaria não poderia ser diferente. Sem fugir ao objeto-tema do evento, Ras Sidney trouxe a público a “Simbologia da música Reggae no Movimento Rastafari”.
Entendendo o elo natural que une Reggae e Rastafari, ele inicia expondo o surgimento histórico do movimento religioso em questão.
O movimento de origem Etíope, que surge aproximadamente em 900 a.C. segundo o livro Etíope Kebra Negast (Glórias dos Reis), que conta a história dos Reis e Rainhas descendentes de Salomão, tendo como o último herdeiro o Rei Preto, de nome Lij Tafari Makonnen, ou Ras Tafari Makonnen (sendo o termo Ras, um atributo relativo ao cargo ocupado por ele, que pode ser traduzido também como “cabeça”), que foi coroado Imperador em 1930.
Essa linhagem de Reis etíopes tem inicio com o encontro de Salomão e a Rainha de Sabá, que ao ter noticia da imensa sabedoria do rei de Israel, empreende uma viagem da Etiópia para o até então chamado “Oriente próximo”, para conhecê-lo.
Eis que eles se relacionam, dando origem a uma criança. E, ao retornar a Etiópia, a Rainha batiza o primogênito de Byna-Lenken, que significa o filho do sábio. Além de ter sido chamado também de Davi II, o nome mais conhecido do fruto desta união é “Menelik I”. Sendo esse o inicio da linhagem Salomônica na Etiópia.
Um acontecimento histórico mais recente, também irá marcar a consolidação do movimento em âmbito global: É a coroação em 02 de novembro de 1930, do mesmo Ras Tafari Makonnem, que foi nomeado pela Igreja Tewahedo da Etiópia como Imperador e recebeu os atributos divinos de Haile Selassie I (o Poder da Sagrada Trindade), Rei dos reis, Senhor dos Senhores, Leão Conquistador da Tribo de Judá, sendo ele o 225º descendente direto do Rei Davi.
Sidney também não deixa escapar o fato do movimento Rastafari ter bases judaico-cristãs, o que impulsionaria o movimento de expansão mundial da cultura, chegando até a pequena ilha da Jamaica, onde o movimento foi solidificado.
Um desses pilares é a influência dos conceitos de um cidadão chamado Marcus Mosiah Garvey, nascido em 17 de agosto de 1887, na Jamaica, na mesma freguesia de Bob Marley, St. Ann’s Bay.
O papel de Marcus Garvey no desenvolvimento do Movimento Rastafari é extremamente ligado a noção de resgate cultural africano e da ancestralidade etíope, como em uma de suas frases de maior efeito: “Um homem que não conhece seu passado e sua origem, é como uma árvore sem raiz.”
Garvey, ativista político e um dos idealizadores do movimento Pan-Africanista de resgate da dignidade do homem e mulher negros, surge como uma espécie de oráculo para a comunidade africana e afro-descendente em diáspora.
Outra de suas celebres frases e que é interpretada como o cumprimento da profecia Rastafari, foi dita por ele em um dos seus discursos, mais provavelmente no Harlem, EUA, para os seguidores da UNIA - sigla em inglês para Associação Universal para o Progresso do Negro - que foi: “Olhem para África, quando um Rei negro for coroado, o dia da redenção estará próximo”. Destaque este que é dado a já citada coroação do Imperador etíope e se estende através dos fundamentos de consciência espiritual também herdada pelos seguidores de Garvey.
No seio da comunidade jamaicana, no desenrolar desses eventos, o movimento Rastafari vai gerar o mais promissor estilo musical da ilha, mesclando o som espiritual dos tambores Nyahbinghi, com bases do baixo, bateria e guitarra.
O original Reggae nasce neste cenário, transformando-se no principal veiculo de divulgação da mensagem espiritual Rastafariana.
Após esse apanhado histórico, o Ras Sidney Rocha destacou a ambígua interpretação que se têm da música Reggae e a vã tentativa, por parte de alguns, em manter distancia entre o movimento Rastafari e o ritmo jamaicano.
Como por exemplo, o fato de ainda hoje, após todo status adquirido pelo Reggae no mercado fonográfico, ainda existirem monopólios por parte das gravadoras, rádios e demais veículos midiáticos. Onde, numa espécie de cartel, há notoriamente o controle daquilo que se ouve, daquilo que se toca e do que se vende ao grande público.
Sidney reforça que, mesmo tendo o reggae construído seu sucesso sobre as bases do Rastafari, através dos grandes ícones como Bob Marley, Peter Tosh, Burning Spear, Jacob Miller e tantos outros, o mercado ainda hoje descarta o compromisso e responsabilidade dos músicos Rastas, por motivos vários, porém óbvios, e priorizam o entretenimento através dos festivais e afins, relegando a segundo plano o trabalho sério tanto do movimento Rastafari, quanto do original Reggae construído neste contexto.
É importante frisar, completa o Ras Sidney, que as pessoas não precisam necessariamente se tornar Rastafaris para tocarem Reggae, no entanto o que entra em debate é o espaço que se dá a determinados grupos e/ou músicos em detrimento de outros. O que se discute é a falta de compromisso que abarcou o cenário Reggae na Bahia e por extensão no Brasil. O que deve ser abordado com mais eficácia, segundo ele, é o elo inato entre o surgimento do Reggae e o movimento Rasta, pois são esses, os Rastafaris, que ainda continuam sendo perseguidos, marginalizados direta ou indiretamente pela sociedade, sem ter o devido reconhecimento pelas suas ações ideológicas e postura subversiva.
É ai que entra o papel da conscientização, desmistificação e ação de todos e todas que, através do conhecimento, buscam modificar esse quando. É o caso da Associação Cultural Nova Flor, através destes debates e até mesmo de outras organizações (Rastas ou não), que mantém em discussão esses temas.
O próprio Emannuel (Jesus Cristo) dá o exemplo nos ensinando que “uma árvore se conhece pelos seus frutos”, então para Sidney, esses acontecimentos devem ser lidados de forma tranqüila, pois quem realmente se “edifica na Rocha”, não deve se abalar de forma alguma. Essa é mais uma característica da comunidade Rastafari, no que diz respeito à musicalidade dentro deste universo, pois para esses, o Reggae é vida, não apenas um ritmo musical. É levado com espiritualidade, compromisso e responsabilidade.
Outros aspectos da religião Rastafari que são ligados diretamente ao reggae, foram abordados pelo Rasta Sidney, enquanto manteve sua fala. Tais como a idéia de Repatriação proposta por Marcus Garvey, a apropriação do discurso e nomes considerados sagrados no movimento, por parte de algumas pessoas, como por sinal acontece em outro seguimento religioso de matriz africana, o candomblé, enfim.
Houve também questionamentos sobre organizações em defesa dos afro-descendentes na Bahia e a abordagem que fazem sobre o movimento
Rastafari, através de leituras dispersas da figura de Ras Tafari Makonnem (Haile Selassie I) e ainda o pouco interesse demonstrado pelas idéias de Garvey.
Aspectos como o uso indevido da Ganja, a difamação da planta por parte inclusive de pessoas ditas “rastas”, ou ainda o uso dos dreadlocks e a indevida denominação de “cabelo rasta”, foram todos assuntos debatidos pela comunidade e com responsabilidade, sendo esclarecidos e desmistificados.
E assim, o momento das palestras foi encerrado, abrindo o quadro de perguntas para o público presente. E por fim, houve uma grande celebração com alimentação Ital (vital e de origem vegetariana), onde todas e todos puderam se confraternizar em plenitude. Selah.
Sista DanzI e o público compartilhando as graças.
Já no dia 17, domingo, a partir das 17:00h, houve também a programação musical, dando continuidade ao evento.
No palco da Praça Tereza Batista, apresentaram-se grupos que celebraram a vivacidade da música Reggae. Entre eles, o músico baiano Geraldo Cristal, a banda Kebra Nagast, o convidado vindo direto de São Paulo, o promissor músico da cena “new roots” brasileira, Jonas Bento I e a aclamada banda baiana Red Meditation, que encerrou o evento brindando a todos e todas com energias positivas e vibrações vindas do Altíssimo.
Damos Graças pela colaboração de todas e todos na realização de mais esse trabalho. Agradecemos pela participação dos convidados, palestrantes, músicos, dos apoiadores e todos aqueles que nos deram suporte, durante todo o tempo.
Acima de tudo, somos gratos ao Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, Jahoviah Jah RastafarI, o Altíssimo. Aquele que brilha sobre Eu e Eu, de dia e de noite. Damos Graças pelo sopro da vida, hoje e sempre.
Associação Cultural Nova Flor